Lumbini - Nepal

André Kondo

     Há mais de dois mil e quinhentos anos nascia Sidarta Gautama, que se tornaria o iluminado Buda. Este fato de fé havia me levado a um templo, às margens de uma tranquila laguna. Em suas águas, Maya Devi havia se banhado antes de dar a luz ao príncipe Sidarta, herdeiro de um próspero reino.

     Ali, nos jardins de Lumbini, me encontrei com um velho yogi que meditava sob a sombra de uma frondosa figueira ao lado da laguna. Bandeiras de oração tremulavam nos galhos, cada qual semeando uma sutra sagrada no vento. Nos olhos de um yogi como aquele, Sidarta viu o brilho que não enxergou na riqueza material em que vivia. De que adiantava toda a riqueza do mundo, se existia a doença, a velhice e a morte? Ninguém é próspero na doença nem rico na morte. A figueira sob a qual aquele yogi meditava naquela tarde havia nascido da semente da mesma figueira, sob a qual Sidarta meditou antes de se libertar e atingir o nirvana. Quando seus olhos se abriram como Buda, ele enxergou os sofrimentos e imperfeições do mundo, vislumbrando as ilusões da vida. E, com essa sabedoria, ele apontou para o Caminho do Meio.

     Bem próximo ao jardim de Lumbini, visitei outro templo, onde me deparei com o sofrimento e a imperfeição da vida. Vários enfermos buscavam refúgio no templo, entre elas, uma criança. Seu rosto encurvado para um lado exibia uma deformidade. Suas pernas, finas como duas varas de bambu e tortas como dois galhos secos, não se moviam. Ela estava presa em uma velha cadeira de rodas...

     _Namastê – saudei.

     A criança se esforçou para sorrir, não porque ela não quisesse sorrir. A parte inferior esquerda de seu rosto estava paralisada. Mesmo assim ela conseguiu dar um “meio sorriso” muito mais radiante do que o sorriso inteiro de muitas pessoas que já cruzaram o meu caminho.

     Sua mãe sorriu também, talvez estivesse orgulhosa por ver um estrangeiro “conversando” com a sua menina.

     _A senhora veio rezar para curar a sua filha? – perguntei.

     _Curá-la? De quê?

     Fiquei desconcertado.

     Percebendo o meu embaraço, a mulher sorriu. Beijou a testa de sua criança e nada mais falou. Só ficou admirando os olhos de sua filha.

     Abaixei-me ao lado da cadeira de rodas. Olhei para os olhos daquela criança. Aqueles olhos... Seus olhos eram como dois pássaros, livres e radiantes. Dois pássaros que voavam sobre o telhado vermelho do templo, os sáris coloridos das mulheres, a miríade de cores e formas da natureza que brotava em cada canto daquele belo jardim. Seu olhar...

     Compreendi que a mãe estava orgulhosa, não porque um estrangeiro estivesse falando com sua filha, mas porque ela sabia que a sua menina era especial. Comecei a entender que o amor não vê defeitos, o amor procura o que há de melhor em cada pessoa, de tal maneira que, no final, não existem mais defeitos... Só a perfeita imperfeição do amor!


Crônica publicada no livro "Amor sem Fronteiras" e no Jornal Bom Dia (20/06/2009)