Alvorada

André Kondo


O sol quebra a casca da noite
No intento de aurora
O galo já não mais canta, ah! açoite!
As galinhas ciscam algum terreiro de outrora

Abro a janela na ânsia de viver alvorada
Mas a cortina de fumaça continua fechada
Pássaros metálicos rugem no ar
Cobras férreas pessoas a devorar

No décimo-quinto andar
Espicho a cabeça pra fora da gaiola
Mas não sinto vontade de cantar
A vastidão da metrópole me degola

No canto busco a viola
Mas ela se ausenta da cidade
As cordas pretéritas, a muda vitrola
E eu sem onde dedilhar saudade

Desço então para a minha lida
Preparar as letras agrárias, oh! vida!
Hipotecas, seguros, investimentos
Em boi, em cana, em cifrão – e os sentimentos?

De nem sei quantos cavalos o meu carro
Cruza avenidas empacadas, sem barro
Onde deixei a rédea do destino?
Por que deixei de ser menino?

Passo em frente aos escritórios de baias
E prossigo sem me prender a quaisquer raias
Tempo, o asfalto cedendo em poeira
Vento, já ouço o crepitar da fogueira

Eis me de volta à roça de meus pais
Que já não mais estão nestes arraiais
A enxada batendo em outros horizontes
Semeando apenas lembranças nos montes

Então, o que vim fazer neste lugar? 
Sob este luar?

Vim colher as saudades do olhar
Pra saciar a fome cega d’alma
E em ninho, deitar a palha calma
E sobre ela, nada a me chocar

Quebro a casca iluminada
Renasço... e cresço pra cantar como dantes
Ainda antes
Da última alvorada!


Poema vencedor do 14.º Prêmio Paulo Setúbal
Poema classificado em 2.º lugar no XVIII FestCampos de Poesia Falada